MPT: Hospital é condenado em R$ 70 mil por descumprir regras de afastamento de funcionários com Covid

 


Decisão tem como base ação civil pública ajuizada pelo MPT em Mato Grosso


Cuiabá - O Hospital e Maternidade São Mateus, em Cuiabá, foi condenado em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 70 mil, em razão da inobservância de medidas de biossegurança durante a pandemia de Covid-19, especificamente em relação ao afastamento de casos suspeitos, confirmados e dos respectivos contactantes. A decisão da Justiça do Trabalho transitou em julgado no dia 25 de setembro.

Durante a investigação, foi constatado que o hospital descumpriu normas de saúde e segurança de forma sistemática e deliberada, afastando alguns funcionários(as) por apenas dois dias, em afronta às regras da Portaria Conjunta 20, de 18 de junho de 2020, elaborada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia (SEPT-ME) e pelo Ministério da Saúde (MS).

“O réu desrespeitou o tempo mínimo de afastamento desde o início da vigência da Portaria Conjunta 20/20, transgredindo-a conscientemente durante todo o período em que vigeu, apesar de continuamente exortado a atendê-la pelo MPT. Outrossim, o descumprimento se deu nos momentos mais críticos da pandemia, quando a transmissão da doença estava elevada, pessoas não conseguiam vaga em leitos de UTI, e não havia vacinação em andamento”, frisa o órgão na ACP.

As informações relatadas na ação foram colhidas no Inquérito Civil nº 000331.2020.23.000/8, instaurado para apurar as medidas adotadas pelo réu durante a pandemia para a proteção de seus(suas) trabalhadores(as). “O protocolo de isolamento dos casos confirmados, suspeitos e de contactantes era de suma importância, sobretudo nos primeiros estágios da pandemia, para interromper a cadeia de transmissão do novo coronavírus e, assim, diminuir o espantoso crescimento do número de novos contaminados, a fim de dar tempo aos serviços de saúde de suportarem a demanda extraordinária por eles”, recorda o MPT.

O órgão definiu a ilicitude do comportamento do hospital como intolerável, por prejudicar profissionais da saúde quando protagonizavam o enfrentamento à pandemia. “O réu, estabelecimento de saúde que mobiliza presencialmente dezenas e dezenas de trabalhadores, estava indiferente a esse esforço de saúde coletiva mundial conhecido pela denominação em inglês flattening the curve (achatamento da curva de contágio). O dano causado pela sua obstinada recusa em atender à lei vai muito além de seus próprios empregados, pois, ao se contaminarem no serviço, eles levavam a doença para as suas casas e comunidade.”

Na sentença, o juiz Ângelo Henrique Peres Cestari, em atuação na 1ª Vara do Trabalho de Cuiabá, reforça que a conduta do São Mateus atentou contra toda a sociedade. “Considerando que era dever jurídico da ré cooperar para evitar e reduzir a disseminação do vírus e haja vista o exposto permitiu que os empregados retornassem ao trabalho em período que, segundo a norma técnica, ainda estavam transmitindo o vírus, deixou não só os trabalhadores vulneráveis, mas também toda a coletividade.”



Para o magistrado, é inquestionável que competia ao hospital, como empregador e beneficiário dos serviços dos(as) empregados(as), garantir um meio ambiente de trabalho seguro. “A propósito, vale apontar que as consequências sociais e a extensão do dano pela conduta da ré são agravadas por tratar-se de hospital, que possui como missão cuidar da saúde. De modo que, a inobservância do prazo mínimo de afastamento comprometeu a eficácia das medidas de contenção do vírus e contribuiu para a perpetuação do risco.”

O valor da indenização será revertido a instituições, projetos e programas públicos ou privados, sem fins lucrativos, que tenham objetivos filantrópicos, culturais, educacionais, científicos, de assistência social ou de desenvolvimento e melhoria das condições de trabalho.

Entendimentos divergentes
Após as irregularidades serem identificadas pelo MPT no Inquérito Civil, o hospital foi notificado a informar o critério adotado para o afastamento e retorno ao trabalho dos(as) funcionários(as) diagnosticados(as) e com suspeita de contaminação pela Covid-19, inclusive com detalhamento dos exames realizados, a data e o período sem sintomas.

Em resposta protocolada em setembro de 2021, o réu confessou que não observava a Portaria Conjunta 20/20, justificando que seguia as orientações contidas na Nota Técnica GVIMS/GGTES/Anvisa 07/2020, emitida pela Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde (GVIMS), Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde (GGTES) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Informou que os(as) trabalhadores(as) eram afastados(as) por 10 dias e encaminhados(as) ao(à) médico(a) do trabalho, ao final do período prescrito no atestado, para avaliação. Em relação aos casos suspeitos, afirmou que deixara de realizar qualquer teste, sorológico ou RT-PCR (antes realizava somente o teste de antígeno), para autorizar o retorno antecipado, passando a reintegrá-los apenas com a avaliação de médico(a) do trabalho após 72 horas sem sintomas. Quanto aos(às) contactantes, afirmou que não procedia aos afastamentos.

Nesse período, o MPT chegou a notificar o São Mateus novamente, a fim de que informasse se concordava em assegurar o tempo de afastamento mínimo de 14 dias para todos os(as) trabalhadores(as) com Covid-19, com suspeita e contactantes, em atenção à Portaria Conjunta 20/20, e se concordava em permitir o retorno antecipado de casos suspeitos somente após o teste RT-PCR negativo ou outro que garantisse a ausência da doença — não sendo admitido o teste sorológico para essa finalidade.



Considerando a resposta negativa, o MPT concentrou-se em analisar as planilhas enviadas pelo hospital com a relação de pessoas afastadas e a duração dos afastamentos, constatando que a ré, para além de clara afronta à Portaria Conjunta 20/20, estava contrariando, sem qualquer justificativa concreta, o próprio protocolo alegadamente adotado. “Seja lá qual fosse a orientação referida na Nota Técnica GVIMS/GGTES/Anvisa 07/2020, o réu a estaria descumprindo. Ele alegou no Inquérito Civil que seguia um protocolo de dez dias, pois bem, são 206 casos confirmados, 55% da amostra, afastados por menos tempo”, sublinha o MPT.

“Alguns dos períodos de afastamento destacados estavam em conflito mesmo com as regras menos rigorosas as quais vieram a ser estabelecidas em 25/1/2022 pela Portaria Interministerial MTP/MS 14 [do Ministério do Trabalho e Previdência e do Ministério da Saúde], que previa o afastamento padrão de casos suspeitos e confirmados por dez dias, reduzíveis para sete acaso não houvesse febre por 24 horas conjugada com a melhoria dos sintomas. Há períodos em que trabalhadores contaminados ficaram apenas cinco ou dois dias longe do labor presencial”, enfatiza o órgão.

O magistrado concordou com o MPT e criticou as alegações feitas pelo hospital. “A ré não observou sequer a nota técnica que ela própria admitiu estar vinculada. Em termos numéricos, o autor [MPT] apontou que ‘no documento de identificação 170bd53, observam-se 206 casos confirmados e 98 casos com afastamento inferior aos sete dias’ e o ‘documento id. 14e9540 revela que em 63 casos, os períodos de afastamento foram inferiores a três dias’, dados que não foram impugnados especificamente pelo réu.”

Outra condenação
O Hospital e Maternidade São Mateus também foi condenado em outra Ação Civil Pública (0000339-42.2021.5.23.0006) movida pelo MPT, em virtude da não emissão de Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) para os(as) empregados(as) que atuaram na linha de frente no combate à pandemia de Covid-19 e foram infectados pelo vírus. A investigação que deu origem à ACP teve início a partir de uma atuação promocional do MPT (PROMO 000185.2020.23.000/3) — isto é, uma demanda que o próprio órgão elegeu como estratégica e prioritária durante a emergência de saúde pública causada pelo coronavírus.

Foram expedidas notificações recomendatórias a gestores públicos e a hospitais públicos e particulares de Mato Grosso entre os anos de 2020 e 2021, solicitando a adoção das providências necessárias para garantia da saúde e segurança dos(as) profissionais de saúde envolvidos(as) no atendimento a potenciais casos de Covid.

O hospital foi condenado pela 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá a cumprir a obrigação de expedir CATs para os(as) funcionários(as) infectados(as) pelo vírus. Em sede de recurso, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT-MT) confirmou a sentença e determinou o pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil, pelo descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho. A fixação do montante levou em consideração o porte econômico da empresa, o número de trabalhadores(as) diretamente afetados(as) pelos ilícitos e a gravidade das irregularidades.

Referência: ACPCiv 0000265-25.2021.5.23.0026
Fonte: MPT

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